segunda-feira, 29 de agosto de 2011

“O Portal do Dragão” [2] - 1 º GRAU


“O Portal do Dragão” [2]

Edição 508 - Publicado em 11/Dezembro/2010 - Página 33

Estar em guarda contra as influências negativas ou “maus amigos”

Por meio de exemplos dos sutras, Nitiren Daishonin menciona a dificuldade de manter a prática budista. O ponto que se destaca nesta parte é a natureza temível das influências negativas, ou o que na terminologia budista se chama “maus amigos”.14
Numa existência passada, Shariputra, apesar de ter resistido a inúmeras austeridades e atingido um nível avançado da prática, retrocedeu na fé porque cedeu à influência negativa externa. Ele foi influenciado por um brâmane que lhe pediu um dos olhos como doação e, ao recebê-lo, pisou nele com desprezo. Diante dessa atitude, Shariputra pensou consigo: “É impossível salvar esse tipo de pessoa”. E desistiu de seguir o caminho de bodhisattva.
Essas influências negativas, ou maus amigos, são essencialmente funções do “Rei Demônio do Sexto Céu”.15 A realidade do Rei Demônio é a escuridão fundamental inerente à nossa vida e à dos demais.
Aqui, a função chamada “Rei Demônio” fez Shariputra abandonar sua determinação, assumindo a forma de um brâmane que lhe pediu um dos olhos como doação. Nitiren Daishonin também diz que o Rei Demônio se apodera dos governantes e de outras autoridades para induzir os praticantes do Sutra de Lótus a retroceder e a abandonar a fé. Mesmo os que haviam formado laços diretos com o Sutra de Lótus e com Sakyamuni no remoto passado acabaram sucumbindo aos sofrimentos do nascimento e da morte por um período incalculável de kalpa tão numeroso quanto as partículas de pó de um grande sistema de mundos, ou as partículas de pó de incontáveis grandes sistemas de mundos, como consequência de terem sido influenciados pela função maléfica (WND, v. 1, p. 1.003).
Nitiren Daishonin dedicou um bom tempo advertindo Nanjo Tokimitsu sobre a natureza terrível das influências negativas ou dos maus amigos. Por exemplo, ele explicou que os maus amigos podiam se aproximar agindo como aliados, e instruiu o jovem discípulo a munir-se de firme fé quando eles aparecessem. Agindo assim, assegura Nitiren Daishonin, ele contaria com a ajuda das divindades celestiais ou das funções protetoras do Universo.16
A propósito, o poeta Bai Juyi,17 da dinastia Tang, escreveu um famoso poema sobre o Portal do Dragão. A obra conta a história de uma carpa que tenta subir a cachoeira, mas cai e se machuca nas rochas. Desalentada, resolve desistir. Bai Juyi se pergunta o que teria sentido a carpa, e apresenta uma resposta: “Tudo indica que, caso transformasse em dragão, teria a dura tarefa de ascender aos céus e provocar chuvas. Em vez de assumir tal trabalho, não seria melhor continuar sendo uma simples carpa e nadar tranquilamente?” (BAI, Juyi. Haku Rakuten Zenshishu [Coletânea de Poemas de Bai Juyi]. Tradução e comentário de Misao Saku. Tóquio: Nihon Tosho Center, v. 2, p. 691, 1989.)
Observando as vicissitudes do mundo político, Bai Juyi seguramente conjecturava que uma pessoa podia ser mais feliz ali onde estava, vivendo do jeito dela, em vez de assumir as onerosas responsabilidades que normalmente acompanham o sucesso.
Os dragões têm a árdua tarefa de fazer chover. Esse labor pode ser considerado um peso ou uma missão, dependendo de como cada um o vê. Essa diferença de enfoque ou de atitude também determinará se seremos vencidos pelas influências negativas — maus amigos — ou se atingiremos o estado de Buda. Na realidade, como afirma Nitiren Daishonin, “o que importa é o coração” (WND, v. 1, p. 1000). Essa diferença de postura ou de sentimento depende de assumirmos ou não o “grande juramento” mencionado nesta carta.
Para que nossa prática do Sutra de Lótus ou da Lei Mística culmine em triunfo, devemos abraçar — de vontade própria e com alegria — a missão de compartilhar sofrimentos de mais e mais pessoas e enfrentar dificuldades ainda maiores em nossa causa pela paz e felicidade da humanidade. Nitiren Daishonin solicita que busquemos ativamente essa forma de viver e que escalemos com bravura o “Portal do Dragão da fé” como sucessores do Kossen-rufu, para atingirmos o estado de Buda, sem falta. Como praticantes da Lei Mística, este é o significado de “viver com base num grande juramento”.
Até pouco tempo, esses acontecimentos pareciam não ter relação conosco. Hoje, no entanto, vemo-nos enfrentando o mesmo tipo de provação. Meu desejo é que todos os meus discípulos façam um grande juramento. Somos afortunados por estarmos vivos depois da grande epidemia que assolou o país nos dois últimos anos. Mas agora, com a iminente invasão mongol, parece que poucos sobreviverão. No final, ninguém pode escapar da morte. Quando ela chegar, o sofrimento será exatamente igual ao que experimentamos neste momento. Visto que a morte é a mesma em qualquer um dos casos, o senhor deveria estar disposto a oferecer a vida em prol do Sutra de Lótus. Pense nesse oferecimento como uma gota de orvalho que se reintegra ao oceano ou uma partícula de pó que retorna à terra. Uma passagem do terceiro volume do Sutra de Lótus afirma: “Imploramos para que o mérito obtido por meio desses oferecimentos se estenda amplamente a todas as pessoas de forma que nós e os demais seres vivos entremos juntos no Caminho do Buda” (LS, v. 7, p. 130).
Com profundo respeito,
Nitiren
No sexto dia do décimo primeiro mês.
Resposta a Ueno, o Sábio
Escrevo esta carta em profunda gratidão por sua dedicação
durante os acontecimentos em Atsuhara.
(WND, v. 1, p. 1003)

O grande juramento: nossa base numa época de confusão

Nitiren Daishonin diz: “Até pouco tempo, esses acontecimentos pareciam não ter relação conosco; no entanto, vemo-nos enfrentando o mesmo tipo de provação” (WND, v. 1, p. 1003). “Esses acontecimentos” referem-se ao retrocesso na prática, por um período inconcebivelmente longo, experimentado por Shariputra e outros praticantes, que haviam recebido a semente do estado de Buda no remoto passado. Nitiren Daishonin ressalta que seus discípulos, naquele momento, estavam se expondo a um perigo semelhante, referindo-se à Perseguição de Atsuhara.
A única forma de repelir o feroz ataque do “Rei Demônio do Sexto Céu” é basear a vida em “um grande juramento” (WND, v. 1, p. 1003). Não podemos evidenciar a força necessária para resistir às grandes perseguições e adversidades em prol do Sutra de Lótus se não fizermos da consecução do estado de Buda nosso supremo objetivo na vida e dedicarmos nossa existência ao grande juramento do Buda — a realização do Kossen-rufu. Portanto, Nitiren Daishonin proclama, das profundezas de seu ser: “Meu desejo é que todos os meus discípulos façam um grande juramento” (WND, v. 1, p. 1003). Uma vida alicerçada num grande juramento é realmente profunda e inabalável.
“Ninguém pode escapar da morte” (WND, v. 1, p. 1003), continua a dizer Nitiren Daishonin. Durante 1277 e 1278 — os dois anos que antecederam a redação desta carta — uma série de epidemias devasta o Japão.
Com o desejo de deter tais epidemias, o nome da era foi mudado de Kenji para Koan (em 1278). Essa medida, porém, foi em vão.18 Em outra carta, o Buda descreve o terrível saldo das epidemias: “As pessoas tombavam mortas como árvores com a passagem de um furacão ou como plantas esmagadas pelo peso de uma forte nevasca” (WND, v. 2, p. 802).
O povo japonês também vivia angustiado por medo de uma nova invasão dos mongóis. A primeira invasão foi em outubro de 1274, cinco anos antes de Nitiren Daishonin ter escrito esta carta. A segunda ocorreu em abril de 1281, dois anos depois. A ferocidade do primeiro ataque deixou a população paralisada de medo. Temiam que o Japão fosse destruído por completo se não conseguissem impedir outro ataque.
A inexorável realidade da morte deve ter causado profundo impacto emocional nas pessoas. Por isso, Nitiren Daishonin declara: “No final, ninguém pode escapar da morte. Quando ela chegar, o sofrimento será exatamente igual ao que experimentamos neste momento. Visto que a morte é a mesma em qualquer um dos casos, o senhor deveria estar disposto a oferecer a vida em prol do Sutra de Lótus” (WND, v. 1, p. 1003).
A Perseguição de Atsuhara levou à execução de três camponeses discípulos de Nitiren Daishonin, conhecidos como os “três mártires de Atsuhara”.19 Há duas teorias a respeito de quando ocorreu a execução. Uma diz que teve lugar em 15 de outubro de 1279, pouco antes de esta carta ter sido escrita (em novembro do mesmo ano). Outra sustenta que ocorreu em abril de 1280, ou seja, no ano seguinte. Se considerarmos a primeira versão, a frase “Visto que a morte é a mesma em qualquer um dos casos, o senhor deveria estar disposto a oferecer a vida em prol do Sutra de Lótus” pode ser interpretada como uma indicação de que essas mortes tinham profundo significado para o budismo, e como um louvor à luta corajosa e justa desses seguidores. Obviamente, Nitiren Daishonin não tinha intenção de glorificar a morte. O que ele elogia é a poderosa fé que não se intimida diante da perspectiva da morte.
Por que, então, não deveria haver motivos para lamentação diante da perspectiva de dar a vida pelo Sutra de Lótus? Sobre isso, Nitiren Daishonin diz: “Pense nesse oferecimento como uma gota de orvalho que se reintegra ao oceano ou uma partícula de pó que retorna à terra” (WND, v. 1, p. 1003). Em termos de eternidade da vida, nossa existência é efêmera como o orvalho. Comparada com a escala colossal do Universo, nossa vida é minúscula como uma partícula de pó. Porém, ao basearmos totalmente a vida na Lei Mística, vasta como o oceano e firme como a terra, podemos estabelecer um estado ilimitado e inabalável, uma condição de unicidade com a Lei universal. Esta é a mensagem do Buda.
Em outro escrito, Nitiren Daishonin diz: “Como a gota de orvalho que se mistura com o grande oceano ou a partícula de pó que se junta à terra, [o benefício deste oferecimento] permanecerá existência após existência, sem jamais se desvanecer” (WND, v. 2, p. 532). Dessa forma, o orvalho se torna eterno e imperecível ao fundir-se com o oceano; o pó também permanece para sempre ao fundir-se com a terra. Do mesmo modo, a vida dos que se dedicam à realização do Kossen-rufu se tornará una com o estado de Buda do Universo, e repetirá eternamente o ciclo de nascimento e morte nesse estado indestrutível. Além disso, renascerão sempre para cumprir a suprema missão do Kossen-rufu no lugar e nas circunstâncias que escolheram. Nesse sentido, podemos interpretar a declaração de Nitiren Daishonin de “fazer um grande juramento” como “ingressar num estado de vida eterno e insuperável”.

Viver em prol da felicidade pessoal e dos outros

Nitiren Daishonin conclui: “Imploramos para que o mérito obtido por meio desses oferecimentos se estenda amplamente a todas as pessoas de forma que nós e os demais seres vivos entremos juntos no Caminho do Buda” (LS, v. 7, p. 130). Essa passagem se encontra no 7º capítulo do Sutra de Lótus, “Parábola da Cidade Imaginária”, que consta no terceiro volume, na parte em que os reis Brahma oferecem seus palácios ao Buda com o desejo de que o benefício resultante se propague a muitas pessoas, de forma que, tanto eles como os demais, possam ingressar no caminho do estado de Buda.
Tal como indica a palavra “juntos”, é tão importante ansiar pela felicidade alheia quanto pela própria. Esse grande juramento de lutar pela felicidade de si mesmo e dos demais, tanto nesta existência como eternamente, é a essência do Budismo Mahayana.
Para nós, praticantes do Budismo de Nitiren Daishonin, esse “grande juramento” significa dedicar a vida ao Kossen-rufu. O mestre se lança à ação e mostra a nobre forma de viver, enquanto os discípulos genuínos seguem esse exemplo.
Entramos numa era em que, no mundo inteiro, os Bodhisattvas da Terra, conscientes da missão de propagar o budismo, levantam-se com firme união em torno de um mesmo propósito. Nosso movimento constitui uma aliança de Bodhisattvas da Terra, que compartilham o grande juramento. Os jovens que se responsabilizarão pela segunda fase do Kossen-rufu já se levantaram em cada comunidade. A eles confio tudo! O futuro está nas mãos dos jovens!
(Daibyakurengue, edição de março de 2008.)
11. Taira no Kiyomori (1118-1181): Líder do clã Taira ou Heike. Depois de conquistar poder político, dominou a corte imperial. Casou-se com a filha do imperador e, posteriormente, empossou o neto no trono.
12. Citação atribuída a Tokitada no Taira (1130-1189), cunhado de Kiyomori, extraída da obra The Tale of the Heike (O Conto dos Heike). Tradução de Hiroshi Kitagawa e Bruce T. Tsuchida. Tóquio: University of Tokyo Press, v. 1, p. 16, 1975.
13. Essa história consta no Tratado sobre a Grande Perfeição da Sabedoria. Em uma das existências passadas, Shariputra praticava austeridades de bodhisattva, engajando-se em oferecer donativos, quando um brâmane lhe pediu um dos olhos. Ele atendeu ao pedido, mas o brâmane sentiu tanta repugnância ao cheirar o olho que o jogou no chão e pisou nele. Ao ver isso, Shariputra desistiu da prática de bodhisattva, regredindo aos ensinos do Hinayana ou ao caminho dos ouvintes e, consequentemente, falhou em atingir a iluminação.
14. Maus amigos: Também más influências e maus mestres. Pessoas que fazem que outras caiam nos maus caminhos da existência, desviando-as da fé.
15. Rei Demônio do Sexto Céu: Rei das funções negativas ou destrutivas, ou dos demônios celestiais. Soberano das funções maléficas, que habita o sexto céu do mundo do desejo, o mais alto de todos os céus. É também conhecido como “Aquele que se Regozija em Manipular Livremente as Pessoas” ou “Aquele que Utiliza para seu Deleite o Fruto dos Esforços das Pessoas, Manipulando-as Livremente Por Meio dos Desejos e das Ilusões”. Assistido por incontáveis funções subsidiárias, ele tenta impedir a prática e consome a vitalidade de outros seres.
16. Em “A Origem da Boa Sorte de Aniruddha”, Nitiren Daishonin diz: “Quando aqueles que são imprescindíveis a seus interesses [ou seja, pessoas importantes para você] tentam impedi-lo de praticar a fé, ou quando você se vê diante de grandes obstáculos, deve acreditar que [as funções budistas como] o rei Brahma e outros, sem falta, cumprirão o juramento [de proteger os praticantes do Sutra de Lótus]. Nesses momentos, deve fortalecer a fé mais do que nunca [...] Se as pessoas tentam impedi-lo de praticar a fé, eu o exorto firmemente que se alegre” (WND, v. 2, p. 566). E em “As Funções de Brahma e de Shakra”, ele afirma: “Tanto os que estão próximos como os que não estão começarão a adverti-lo prontamente como se fossem bons amigos, dizendo: ‘Se o senhor acredita no sacerdote Nitiren, acabará, na certa, no mau caminho. Cairá também em descrédito de seu senhor feudal’. Como as intrigas criadas pelas pessoas são terríveis mesmo para os sábios, é bem provável que o senhor abandonará a fé no Sutra de Lótus” (WND, v. 1, p. 800).
17. Bai Juyi (também Po Chü-I; 772-–846): Poeta e oficial do governo. Um dos maiores escritores da dinastia Tang na China. Compôs poemas que descreviam o sofrimento do povo e censurava os abusos das pessoas no poder. Chegou a ser expulso de suas terras pelas veementes denúncias contra o imperador.
18. O nome das eras costumava mudar quando ascendia ao trono um novo imperador ou quando ocorriam calamidades naturais de grande magnitude. No último caso, as pessoas acreditavam que um nome mais auspicioso poderia mudar positivamente a sorte desse período.
19. A Perseguição de Atsuhara culminou quando o subdelegado do Departamento de Assuntos Militares, Hei no Saemon, ordenou a execução de três dos seguidores de Daishonin, os irmãos Jinshiro, Yagoro e Yarokuro, que se recusaram firmemente a abandonar a fé. Eles ficaram conhecidos como os “três mártires de Atsuhara”.

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