sábado, 27 de agosto de 2011

Escritos de Nitiren Daishonin - CARTA AOS IRMÃOS - ADMISSÃO


Carta aos Irmãos (WND, v. 1, p. 493)

Edição 515 - Publicado em 16/Julho/2011 - Página 40

Matérias do Exame de Budismo 2011

Resumo e Cenário Histórico

Os dois irmãos para quem Nitiren Daishonin endereçou esta carta eram os filhos de Ikegami Saemon no Tayu Yasumitsu, que ocupava um posto importante no Ministério de Construção e Reparos do governo de Kamakura. O irmão mais velho, Munenaka (Ikegami Uemon no Tayu Munenaka; m. 1293), provavelmente converteu-se ao Budismo Nitiren em 1256, e o irmão mais novo, Munenaga (Ikegami Hyoe no Sakan Munenaga; m. 1283), converteu-se pouco depois.
O pai, Yasumitsu, era leal seguidor de Ryo­kan, o prior do Templo Gokuraku, da escola Preceitos-Verdadeira Palavra, e opôs-se veementemente à fé dos filhos por mais de vinte anos. Ele chegou até a deserdar o filho mais velho em duas ocasiões, em 1275 e 1277. A primogenitura, o direito do filho mais velho de herdar a riqueza e o prestígio social da família, era fundamental na sociedade japonesa. O indivíduo praticamente inexistia fora do contexto familiar. E séculos de rivalidade dentro da família, possessão de feudos e até assassinatos atestavam a importância de a pessoa se tornar o primeiro na linhagem de hereditariedade. Existiam medidas sociais e econômicas totalmente inflexíveis contra pessoas deserdadas.
Ao deserdar Munenaka, o objetivo do pai era provocar a rivalidade entre os filhos, instigando Munenaga a trocar sua crença pelo direto às posses de seu pai. Nitiren Daishonin enviou cartas de encorajamento aos irmãos e às suas esposas, pedindo-lhes que se unissem na fé. Em 1278, os irmãos finalmente conseguiram converter o pai aos ensinos do Buda Nitiren Daishonin.
Quatro anos depois, quando a saúde de Nitiren Daishonin começou a enfraquecer, ele partiu para as termas de Hitachi, atendendo aos insistentes conselhos de seus discípulos. No entanto, sentindo que a morte era iminente, em vez de continuar a seguir para as termas, rumou para a residência de Munenaka, em Ikegami, localizada na atual Tóquio. Nesse local, após tomar medidas para assegurar a continuidade de seus ensinos, ele faleceu no dia 13 de outubro de 1282.
Esse escrito, “Carta aos Irmãos”, menciona três maneiras pelas quais os obstáculos devem ser considerados à luz do Budismo, como: (1) oportunidade para manifestar forte fé a fim de se libertar do carma negativo criado no passado; (2) exemplo de maus amigos que tentam obstruir a prática das pessoas; e (3) exemplo da função negativa do Rei Demônio do Sexto Céu que se apossa dos pais ou de outros para destruir sua fé.
A seguir, trechos do Gosho e as respectivas explanações do presidente Ikeda.
O Sutra de Lótus é o coração dos oitenta mil ensinos e a essência das doze divisões das escrituras. Os budas de todas as três existências atingem a iluminação porque tomam esse sutra como mestre. Os budas das dez direções conduzem os seres vivos empregando o ensino do veículo único [o Sutra de Lótus] como seus olhos.
A carta é dirigida aos irmãos Munenaka e Munenaga Ikegami. Não se sabe com exatidão quando se converteram ao ensino de Nitiren Daishonin, mas, no geral, são considerados entre os primeiros discípulos do Buda. Os irmãos pertenciam ao clã Ikegami, proeminente família de samurais que se dedicava, como empreiteira, à construção de importantes obras públicas a pedido do governo. O pai, Yasumitsu Ikegami, opunha-se à fé dos filhos e, por essa razão, havia deserdado o mais velho, Munenaka.
Na sociedade feudal e na classe dos samurais da época, ser deserdado era uma sanção de extrema gravidade. Não apenas significava a perda dos direitos de sucessão, mas também da posição social e do sustento econômico. Além do mais, nesse caso em particular, como somente o filho mais velho havia sido deserdado, para o mais novo isso representava a oportunidade de ocupar o lugar e herdar ao pai, caso aceitasse abandonar a fé. Estava claro que se tratava de uma tática astuta do pai para enfraquecer a fé e a determinação do filho caçula.
Nitiren Daishonin escreveu esta carta em resposta à notícia de que Munenaka fora deserdado. Nas páginas deste escrito, ensina aos irmãos Ikegami que os obstáculos que tinham diante deles eram consequência inevitável da firme fé no Sutra de Lótus, e que o caminho para atingir o estado de Buda só poderia ser encontrado na luta contra as funções da maldade, de acordo com o Sutra.
Nos parágrafos iniciais, Nitiren Daishonin ressalta a superioridade do Sutra de Lótus sobre todos os demais ensinos do Buda Sakyamuni. O Sutra de Lótus, explica, é o “coração” do enorme conjunto de sutras conhecido como os “oitenta mil ensinos” e a “essência” dos ensinos do Buda referidos como as “doze divisões das escrituras”. Ele ainda diz que não apenas todos os budas através do tempo e do espaço atingem a iluminação, adotando esse sutra como mestre, mas também guiam os seres vivos a esse objetivo, expondo o ensino do Sutra de Lótus.
Podemos deduzir que Daishonin começa a esclarecer o significado da fé desse modo em virtude da gravidade da situação em que os irmãos se encontravam. Ensina que a convicção para superar qualquer adversidade deriva da convicção e da alegria que
uma pessoa sente quando reconhece profundamente o valor supremo de praticar o Sutra de Lótus.
O Buda Nitiren Daishonin prossegue analisando diversos pontos de vista das graves consequências de abandonar a fé no Sutra de Lótus. A razão de o abandono a esse ensino ser uma grave falta é que “o Sutra de Lótus representa os olhos de todos os budas.
É o verdadeiro mestre do Buda Sakyamuni, o lorde dos ensinos”. Em outras palavras, abandonar a fé é descartar o ensino supremo.
Num nível mais profundo, abandonar o Sutra de Lótus equivale a contestar os princípios fundamentais que o Sutra incorpora, como a iluminação universal, o respeito a todas as pessoas e a convivência harmoniosa. Quando nos comportamos dessa forma, intensificamos em nossa vida os três venenos — avareza, ira e estupidez —, ações contrárias à Lei suprema, e somos facilmente dominados pela escuridão e destinados a transitar pelos estados inferiores da existência.
Nitiren Daishonin procura conscientizar os irmãos Ikegami da importância da fé absoluta no Sutra de Lótus, explicando-lhes que seria uma gravíssima ofensa desprezar “uma palavra ou mesmo um traço do sutra”. Nessa admoestação, sentimos a imensa benevolência do Buda. Por todos os meios possíveis, Daishonin procura convencer os irmãos a jamais pensar em abandonar a fé naquele momento decisivo para a vida deles.
Além disso, é extremamente difícil encontrar uma pessoa que exponha esse sutra exatamente como ele ensina. Isso é ainda mais difícil que uma tartaruga de um único olho encontrar um pedaço de madeira de sândalo flutuando,1 ou alguém suspender o Monte Sumeru com um fio do caule de um lótus2 (WND, v. 1, p. 495).
Ao analisar o significado do ensino do Sutra de Lótus, ou da Lei, Nitiren Daishonin focaliza a importância das pessoas que expõem e praticam esse sutra.
Mesmo o ensino mais sublime será em vão se não houver quem o aplique na vida. Isso está expresso na declaração de Nitiren Daishonin: “A Lei não se propaga por si só. Por ser propagada pelas pessoas, tanto as pes­soas como a Lei são dignas de respeito” (Hyaku Rokka Sho [As Cento e Seis Comparações]. Gosho Zenshu, p. 856).
É extremamente raro encontrar alguém “que exponha esse sutra exatamente como ele ensina”. Daishonin explica que encontrar um mestre assim é ainda mais difícil que rea­lizar um feito impossível, como “uma tartaruga de um único olho encontrar um
pedaço de madeira de sândalo flutuando”, ou alguém que consiga “suspender o Monte Sumeru com um fio do caule de lótus”.
A pessoa ou o mestre mencionado aqui é o devoto do Sutra de Lótus e, especificamente, refere-se a Nitiren Daishonin. É algo realmente extraordinário encontrar o Buda Nitiren Daishonin neste mundo saha, nesta era obscura conhecida como Últimos Dias,
contaminada pelas cinco impurezas.
Do mesmo modo, é difícil que as pessoas da era posterior à morte de Daishonin encontrem um autêntico líder budista que propague a Lei Mística, a essência do Sutra de Lótus, exatamente como Nitiren Daishonin ensina. Para mim, não há maior alegria do que ter nascido neste mundo, encontrado o Sr. Toda — o grande mestre do Kossen-rufu — e o adotado como mestre. Quando conheci o Sr. Toda, soube instintivamente que podia confiar nele. Meu mestre foi a razão de eu ter iniciado a prática do Budismo Nitiren.
Numa das cartas que troquei com o famoso romancista e poeta japonês Yasushi Inoue (1907–1991), escrevi: “A primeira pessoa que me falou sobre o Budismo foi Jossei Toda. A fé não veio primeiro, mas sim meu encontro com ele” (Cf. IKEDA, Daisaku; INOUE, Yasushi. Letters of Four Seasons [Carta das Quatro Estações]. Tradução de Richard L. Gage. Tóquio: Kodansha International, 1989. p. 35). O Sr. Inoue escreveu o seguinte em resposta a uma carta na qual descrevi o encontro com o Sr. Toda e o impacto decisivo que ele teve em minha vida: “Fiquei muito comovido ao ler sua carta. (...) É muito raro as pessoas terem a oportunidade de encontrar alguém do calibre do Sr. Toda, de conhecer alguém cujas ideias coincidam com as próprias, ou de demonstrar tal devoção a um indivíduo para abrir desse modo o caminho da própria vida, e ainda amar e respeitar para sempre essa pessoa” (Ibidem, p. 44).
Que tesouro precioso é a relação de mestre e discípulo! Do ponto de vista do Budismo, é um laço de suprema nobreza. Se não fosse pelo mestre Tsunessaburo Makiguti e por seu discípulo Jossei Toda — os dois primeiros presidentes da Soka Gakkai —, o renascimento do Budismo Nitiren na era moderna jamais teria ocorrido.
Eis por que a Lei, ou o ensino do Buda, vive apenas na vida dos que a praticam, e seu verdadeiro valor só se manifesta na conduta e nas ações do praticante. Se não houver pessoas que pratiquem corretamente o ensino do Buda, ou que sejam fiéis ao espírito do fundador, nenhum valor será criado por esse ensino.
Ter um mestre na fé é condição vital para se praticar corretamente. Além disso, a Lei se transmite quando os discípulos atuam com o mesmo espírito que o mestre. A relação de mestre e discípulo é a base do Budismo Nitiren.
Nossa rede da SGI está atualmente presente no mundo inteiro. Milhões de membros, transcendendo diferenças de idiomas e etnias, concentram esforços para expor “esse sutra exatamente como ele ensina”. Manter e transmitir a nobre herança de mestre e discípulo, e avançar junto com a Soka Gakkai, é edificar uma vida realmente sublime e significativa. Todos os que assim fizerem merecerão o supremo louvor de Nitiren Daishonin.
Sendo assim, os seguidores do Sutra de Lótus devem temer aqueles que tentam obstruir sua prática mais do que aos bandidos, arrombadores, assaltantes noturnos, tigres, lobos ou leões — mais até que a invasão dos mongóis.
A quem nós, praticantes do Sutra Lótus, realmente deveríamos temer? Nitiren Daishonin diz que em vez de temer aos bandidos, ladrões ou animais selvagens, deveríamos tomar cuidado com “aqueles que tentam obstruir a prática”. A quem, especificamente, ele está se referindo?
Nos parágrafos anteriores a essa passagem, Nitiren Daishonin cita exemplos de respeitados mestres budistas chineses da dinastia T’ang, como Tz’u-en e Shan-wu-wei, que, em vez de abraçarem o Sutra de Lótus, depositaram fé nos ensinos provisórios do Buda. Ele observa que esses eruditos haviam, em determinado momento, reconhecido a superioridade do Sutra de Lótus, mas, no fim, descartaram qualquer manifestação de fé nesse sutra. A origem dessa rejeição ao Sutra de Lótus, afirma, residia no fato de se deixarem enganar por alguém que era má influência, um “mau amigo” ou “mau mestre”.
“Aqueles que tentam obstruir sua prática” nada mais são que “influências negativas”. O que os torna tão temíveis é que eles podem corromper a mente de uma pessoa e destruir a fé dela. Se os praticantes do Sutra de Lótus se deixarem influenciar pelas funções negativas ou forem enganados pelos maus mestres, perdendo assim o compromisso com o caminho correto da fé, não poderão atingir o Caminho do Buda.
Do contrário, se mantiverem firme o juramento e compromisso, com o tempo poderão superar inclusive as piores situações mediante a força da fé. Na verdade, conforme Daishonin sempre diz, o que importa é o coração. Para nos fortalecermos interiormente e repelirmos todas as influências negativas, devemos ter sabedoria necessária para discernir essas funções destrutivas e combatê-las com bravura.
Este mundo é a morada do Rei Demônio do Sexto Céu. Todas as pessoas têm sido governadas pelo Rei Demônio desde o tempo sem início. Ele não somente construiu a prisão dos vinte e cinco domínios da existência nos seis caminhos e confinou a humanidade nesse espaço, mas também transformou esposas e filhos em algemas, e pais e soberanos em redes que escondem os céus. A fim de enganar a mente da verdade da natureza de Buda, ele induz as pessoas a beber o vinho da ganância, da ira e da estupidez, e as alimenta somente com os pratos do mal que as fazem ficar prostradas no chão dos três maus caminhos. Quando encontra as pessoas que mudaram seus corações para o bem, ele age para detê-las.
“Este mundo é a morada do Rei Demônio do Sexto Céu. Todas as pessoas têm sido governadas pelo Rei Demônio desde o tempo sem início.” Esta é uma importante passagem que revela a profunda visão de Nitiren Daishonin sobre a verdadeira natureza das funções maléficas. Li esse trecho inúmeras vezes, desde que comecei a praticar o Budismo Nitiren, e o gravei nas profundezas de meu coração.
Nesta e em passagens seguintes, Daishonin esclarece que as funções do Rei Demônio do Sexto Céu são influências perniciosas, as quais os praticantes deveriam temer. Antes de tudo, ele declara que “este mundo” — o mundo saha em que vivemos — é a “morada” do Rei Demônio do Sexto Céu. Explica que isso se deve ao Rei Demônio, que reina sobre o mundo tríplice,3 do pico do mundo do desejo,4 governar a vida das pessoas desde o tempo sem início.
O Rei Demônio representa as forças negativas que manipulam a vida das pessoas a seu bel-prazer, além de obstruir o bem e fazê-las caírem nos maus caminhos. As funções maléficas privam os seguidores do Sutra de Lótus do benefício da prática budista e impedem que a sabedoria flua na vida deles. Destroem ainda as raízes da bondade ou do bem que eles têm cultivado, e fazem-nos transmigrar pelos seis caminhos do mundo tríplice.
As forças do Rei Demônio também concebem diversas manobras para impedir o avanço das forças do Buda. Nitiren Daishonin enuncia três exemplos específicos de funções insidiosas orquestradas pelo Rei Demônio: (1) transformar esposas e filhos em algemas; (2) transformar pais e soberanos em redes que escondem os céus; (3) induzir as pessoas a beber o vinho da ganância, da ira e da estupidez para enganar a mente delas sobre a verdade da natureza de Buda. Esses três tipos de impedimentos correspondem aos três obstáculos: do carma, da retribuição e dos desejos mundanos.
Nas muitas perseguições extremas que se abateram sobre Nitiren Daishonin, ele se viu exposto às forças negativas personificadas como Rei Demônio do Sexto Céu.
Em outro escrito [“A Grande Batalha”], ele diz: “O Rei Demônio do Sexto Céu armou dez tipos de exército e, em meio ao mar dos sofrimentos de nascimento e morte, trava uma luta contra o devoto do Sutra de Lótus para impedi-lo de tomar posse desta terra impura [o mundo saha], onde habitam pessoas comuns e veneráveis, e expulsá-lo dela. Mais de vinte anos se passaram desde que enfrentei essa situação e comecei a grande batalha. Em nenhum momento pensei em retroceder” (WND, v. 2, p. 465).
O Rei Demônio comanda os dez exércitos e trava uma batalha para impedir que o devoto do Sutra de Lótus adquira influência no mundo saha. Se esse devoto tentar se impor, apesar dos muitos ataques, o Rei Demônio emprega todos os recursos possíveis para tentar fazê-lo perder o controle. Plenamente ciente disso, Nitiren Daishonin declara: “Mais de vinte anos se passaram desde que enfrentei essa situação e comecei a grande batalha. Em nenhum momento pensei em retroceder”. Ou seja, a vida de
Nitiren Daishonin foi uma luta permanente contra as forças do Rei Demônio. O Kossen-rufu sempre vincula uma luta implacável entre o estado de Buda e as funções destrutivas inerentes à vida.
A Soka Gakkai é a organização que herdou o verdadeiro espírito de Nitiren Daishonin. Como resultado, quanto mais nosso nobre mo­vimento foi se expandindo, mais intensos foram os ataques do Rei Demônio e de outras forças negativas.
O Sr. Toda declarou: “Lutem intrepidamente contra as funções negativas! Não permitam que façam estragos! Não cedam jamais diante delas!”
Jossei Toda e o Sr. Makiguti, seu mestre, — dois grandes líderes do Kossen-rufu que mantiveram um compromisso inabalável com a propagação da Lei — suportaram todo o peso da perseguição. Lutaram contra a natureza maléfica da autoridade e
protegeram resolutamente os companheiros de fé e a Organização. Como terceiro presidente, lutei com essa mesma postura.
Os três primeiros presidentes da Soka Gakkai travaram uma batalha incansável contra os três obstáculos e as quatro maldades e contra os três poderosos inimigos, e triunfaram sobre eles de forma absoluta.
O grande demônio da escuridão fundamental5 pode até mesmo entrar nos corpos dos bodhisattvas que atingiram a iluminação quase perfeita6 e bloquear a possibilidade de eles atingirem o benefício da perfeita iluminação7 do Sutra de Lótus. Que facilidade ele tem de obstruir a prática daqueles que estão nos estágios mais inferiores!
Até esse trecho, Nitiren Daishonin esclarece que os “maus amigos” ou as influências negativas que tentam destruir a fé das pessoas no Sutra de Lótus são personificados por “homens de sabedoria dos quais os demônios malignos se apoderam”, e que essas influências, na realidade, nada mais são que as funções do Rei Demônio do Sexto Céu.
Mas se essas pessoas são sábias, como é que o Rei Demônio pode valer-se delas? A razão é simples: elas não são vencidas pela influência externa, mas pela interna. São vencidas pela natureza maléfica conhecida como “escuridão fundamental”, que lhes é inata ou inerente. Em outro escrito [“O Tratamento da Doença”], Nitiren Daishonin ressalta: “A escuridão fundamental expressa-se como o Rei Demônio do Sexto Céu” (WND, v. 1, p. 1113).
Todas as pessoas possuem essa escuridão fundamental na vida. Nitiren Daishonin afirma que ela existe também na vida dos budas. Portanto, no caso dos bodhisattvas que se encontram no nível da iluminação quase perfeita, a escuridão fundamental de sua vida pode ativar a função do Rei Demônio e impedi-los de chegar ao estado da perfeita iluminação, ou estado de Buda. Se isso pode ocorrer com os bodhisattvas que estão no penúltimo estágio, quão mais expostos não estaríamos nós, pessoas comuns.
O Rei Demônio do Sexto Céu é o ímpeto negativo que reside nas profundezas da vida das pessoas. É a negatividade ou a natureza destrutiva que dá origem ao desejo de controlar os demais, inclusive de tirar-lhes a vida, que causa a destruição e a guerra.
Para derrotar essa natureza maléfica, precisamos fazer a natureza do Dharma ou a natureza fundamental da iluminação, que existe em nós com a escuridão fundamental, se manifestar. Para isso, é imprescindível continuarmos a nos empenhar na fé,
praticando o Budismo Nitiren e compartilhando-o com os demais.
Em uma de suas explanações, o presidente Toda comentou sobre o fato de, no Gohonzon, estar inscrito o nome do Rei Demônio do Sexto Céu: “O Rei Demônio do Sexto Céu está representado no Gohonzon. Assim, quando oramos ao supremo objeto de devoção, o Rei Demônio obedece ao Gohonzon [à Lei de Nam-myoho-rengue-kyo]. O Rei Demônio ordenará aos líderes dessa força insidiosa que se detenham. O potencial originalmente iluminado do Rei Demônio se manifesta por meio do Gohonzon. De fato,
todas as entidades [nele representadas] mostram os dignos atributos inatos quando são iluminados pelo Nam-myoho-rengue-kyo”.
Ele prosseguiu dizendo: “O Rei Demônio do Sexto Céu então se converte pela primeira vez numa entidade que ajuda e beneficia as pessoas”. Essas observações se relacionam com um profundo princípio que é a essência do Budismo Nitiren.
No “Registro dos Ensinos Orais” consta: “A palavra ‘fé’ é a espada afiada com a qual se enfrenta e vence a escuridão ou ignorância fundamental” (OTT, p. 119-120). Como a frase indica, o que nos permite vencer a escuridão fundamental é a espada afiada da fé. Isso significa perseverarmos e desafiarmos na fé por toda a nossa vida. Significa reconhecer as funções demoníacas tal como se apresentam e fazer surgir constantemente a natureza fundamental da iluminação que existe em nosso interior. Mediante
a fé que se aprofunda a cada dia, a cada mês, podemos erradicar de nossa vida, num nível essencial, as funções da escuridão ou da ignorância.
Por isso é tão importante ter um mestre na fé que nos ofereça orientação correta. O Sr. Toda frequentemente me dizia: “Se você é um verdadeiro discípulo, deve seguir meus passos até o fim, sem temer nenhuma adversidade. Não deve ser vencido jamais”. Todos os dias tenho me empenhado e persistido, tal como meu mestre me ensinou, e tenho sido capaz de vencer todas as funções destrutivas.
O espírito de mestre e discípulo é uma poderosa força motriz para vencer todo tipo de função negativa. Em contraste, os que perdem de vista essa postura e se esquecem da dívida de gratidão com o mestre, acabarão consumidos cada vez mais pela própria escuridão fundamental até se tornar um súdito dos seguidores do Rei Demônio.
A postura de fé necessária para combater as funções maléficas é não temer a nada, haja o que houver; é negar-se a sucumbir à escuridão ou à negatividade. Com essa atitude, sem falta, poderemos vencer. Este é o segredo de uma vida de triunfo.
O Rei Demônio se apossa dos corpos das esposas e dos filhos para que eles desviem seus maridos ou pais do caminho correto. Ele também se apossa do soberano a fim de ameaçar o devoto do Sutra de Lótus, ou possui os pais e as mães, e os fazem repreender seus devotados filhos.
Nitiren Daishonin esclarece que as funções do Rei Demônio também se manifestam sob a forma de oposição dos pais, dos cônjuges e filhos, e inclusive das autoridades seculares, com o intuito de obstruir a prática de quem acredita no Sutra de Lótus.
Sem dúvida, a frase “O Rei Demônio se apossa (...) os pais e as mães, e os fazem repreender seus devotados filhos” tocou o coração dos irmãos Ikegami. Pois a situação na qual se encontravam tinha muito a ver com os esquemas do sacerdote Ryokan, do templo Gokuraku, e com outras influências negativas. Nitiren Daishonin também afirma que o pai deles, Yasumitsu, havia da mesma forma sucumbido à influência do Rei Demônio do Sexto Céu, que os estava atacando com o propósito de lhes obstruir a fé.
Portanto, o Buda Nitiren Daishonin orienta os irmãos a discernir a verdadeira natureza dessas funções maléficas, que, em nenhuma circunstância, deveriam render-se à influência delas.
Na “Carta aos Irmãos” e em muitos outros escritos, Daishonin oferece orientação e alento incansáveis aos discípulos que estavam sendo pressionados a escolher entre a fé e a devoção filial. A verdadeira devoção filial consiste em, como filho, atingir o estado de Buda, seguindo o supremo ensino budista e, desse modo, conduzir os pais à felicidade eterna.
Os irmãos Ikegami mantiveram a fé exatamente como o mestre lhes ensinou, e triunfaram de maneira esplêndida sobre todas as dificuldades e todos os obstáculos que se ergueram diante deles.
Hoje, enquanto o mundo se debate em crises econômicas sem precedentes, vemo-nos expostos a obstáculos de todos os tipos. Por essa razão, é imperativo que triunfemos em nosso coração e recitemos Daimoku constantemente durante esse processo.
Quando estabelecermos a “fé para superar obstáculos” como a base de nossa vida, poderemos transformar definitivamente o negativo em algo positivo, de acordo com o princípio de “transformar o veneno em remédio”. Também poderemos, sem falta, transformar nosso carma, atingir o estado de Buda nesta existência e abrir mais e mais o caminho do Kossen-rufu.
1. (...) “uma tartaruga de um único olho encontrar um pedaço de madeira de sândalo flutuando”: Essa metáfora consta no 27º capítulo do Sutra de Lótus, “Os Feitos do Rei Adorno Maravilhoso”. Indica que é extremamente raro uma pessoa encontrar o Buda e seus ensinos. A dificuldade é muito maior que a encontrada por uma tartaruga de um olho só à procura de um tronco de sândalo flutuando no mar, com uma concavidade do tamanho exato para acomodá-la.
2. “Suspender o Monte Sumeru com um fio do caule de lótus”: Metáfora para ação impossível. Na cosmologia indiana, o Monte Sumeru é um pico monumental que se eleva do centro do mundo.
3. Mundo tríplice: O mundo dos seres não iluminados que transmigram pelos seis caminhos. Em ordem ascendente, é formado pelo mundo do desejo, o mundo da forma (ou matéria) e o mundo da não forma (espírito ou vida imaterial). (1) O mundo do desejo abarca os quatro maus caminhos — os mundos de inferno (estado de Inferno), dos espíritos famintos (Fome), dos animais (Animalidade) e dos asura (Ira) — e os quatro continentes que circundam o Monte Sumeru (que contém o mundo dos seres humanos) e as primeiras seis divisões do céu (a parte inferior do reino dos seres celestiais). Os seres desse mundo vivem à mercê de diversas necessidades, por exemplo, desejo por comida, bebida e sexo. (2) O mundo da forma consta de quatro céus da meditação que, por sua vez, se dividem em dezoito céus (dezesseis ou dezessete, segundo outras fontes). Os seres que vivem nesse mundo não têm desejos ou necessidades, porém, conservam a forma física e, portanto, estão sujeitos a certas restrições materiais. (3) O mundo da não forma abarca o reino do espaço vazio ilimitado; o reino da consciência ilimitada; o reino do nada; o reino que não é pensamento nem não pensamento. Os seres desse mundo não têm desejos nem forma física, tampouco restrições materiais.
4. Pico do mundo do desejo: Conforme os sutras, o Demônio do Sexto Céu habita o mais alto dos céus do mundo do desejo, a divisão inferior do mundo tríplice.
5. Escuridão fundamental: Ilusão mais profundamente arraigada e intrínseca à vida, que origina todas as demais ilusões. A escuridão fundamental é a incapacidade de ver ou de reconhecer a verdade, em especial, a real natureza de nossa vida. Nitiren Daishonin interpreta a escuridão fundamental como ignorância com a Lei suprema, ou ignorância de que nossa vida seja a manifestação da Lei — do Nam-myoho-rengue-kyo.
6. Iluminação quase perfeita: Dos cinquenta e dois estágios da prática do bodhisattva, corresponde ao nível cinquenta e um. É um estágio quase equivalente à perfeita iluminação do Buda, o último nível que um bodhisattva deve conquistar para atingir o estado de Buda.
7. Perfeita iluminação: O nível mais elevado dos cinquenta e dois estágios da prática do bodhisattva, ou seja, o estado de Buda.

Nenhum comentário:

Postar um comentário